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É Doce Morrer no Mar

Adélia achava que o seu pequeno dedo mindinho do pé direito era torto. Na verdade ele não era, mas não é essa questão. O fato é que por Adélia achar o dedo torto, nunca tinha tido coragem de nadar. Achava que, por alguma razão, a aerodinâmica incorreta do dedo impediria a dinâmica natural do corpo de flutuar, de ao menos tentar bater as pernas para vir à tona.

Durante muito tempo Adélia largou isso para lá. Quando ia à praia, só ficava alí, agachadinha junto à espuma da rebentação, e se a pscina era funda fazia beicinho e dizia que não era peixe, que bom mesmo era "pegar um cor". Mas Adélia tinha uma fraqueza, ah, a fraqueza. Achava lindo nadadores profissionais. "Parecem golfinhos ligeiros e lisinhos", dizia. Aquele fascínio a consumia, era tudo o que mais desejava, sentia um calor na espinha sufocante, não conseguia sequer respirar só de pensar que ela também era um dos golfinhos.

Então Adélia procurou um médico. Achava que, arrumando o dedo no seu devido lugar, ela estaria livre do grilhão que sempre a aprisionou e poderia finalmente se entregar à sua imensidão azul. "Que nem o filme", ela suspirava. O médico, sabiamente, disse a ela que não havia nada no mindinho, que ela procurasse uma aula de natação. Mas Adélia não se conformava, e só não foi ao 572° doutor porque não podia mais pagar para ouvir sempre a mesma coisa.

Decidida, Adélia resolveu sozinha dar jeito no problema. Pegou uma talinha, amarrou cirurgicamente envolta do danado dedinho como achou que deveria ser e todas as manhãs punha-se a saltar na lagoa que batia no seu ombro a espernear. Mesmo sendo raso, engoliu um bocado de água nos primeiros meses, mas ela não desistia. Tinha decidido provar que era capaz de ser um golfinho e assim seria.

Depois de quatro anos, Adélia já dava a volta na Ilha de Boipeva onde morava num fôlego só e sem talinha alguma no dedo. Então achou que poderia ser um golfinho, uma nadadora profissional, mas, antes disso, teria que fazer uma prova final: Atravessaria o Triângulo das Bermudas, concluindo a aventura com a chegada nas águas da Flórida. É que Adélia era fascinada por aqueles drinques de coqueirinhos na borda vendidos por lá, e era assim que queria comemorar a sua vitória.

É preciso entender que isso era definitivo na vida de Adélia, condição sine qua non para se tornar uma nadadora profissional. Tudo depois disso já estava definido, os próximos dois anos de sua vida passava diante de seus olhos sem a possibilidade de dar errado: o ingresso numa equipe local e os vários treinamentos necessários até ser convocada para participar da seleção brasileira de natação.

Então chegou o grande dia e Adélia suava às bicas só de pensar em atravessar aquela parte da sua imensidão azul. Todos os dias, Adélia se aquecia durante 45 minutos antes de começar aquela maratona aquática, para poder dar conta de todo o percursso. Só que naquele dia Adélia teve um problema na recepção do hotel e se atrasou. Ela tinha um horário certo para dar a partida, pois ela havia calculado o tempo e a velocidade certinha necessárias para chegar à Flórida e se deliciar com o drinque de coqueirinho na borda em alguma barraca a beira mar.

Para não se atrasar, Adélia se aqueceu durante apenas 30 minutos. "15 minutos não são nada, eu é que sou sistemática", pensou, e se lançou no mar de olhos fechados, o futuro todo à sua frente. Adélia nadava como um golfinho ligeiro e lisinho, a sincronia de seus movimentos era perfeita. Já estava distante de Cuba, quase chegando ao seu destino, quando começou a sentir cãimbra no dedinho mindinho do pé direito. A dor, insuportável, invadia até o fundo do osso e Adélia começava a perder o compasso. Começou a se sentir cansada e não conseguia nadar. Sentia o corpo afundando lentamente. A única coisa que passava pela sua cabeça, o pequeno vislumbre que teve antes de ser tragada pelo turbilhão foi: "15 minutos. 15 minutos para galgar o meu destino".

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Christiane, 32 anos. Brasiliense. slamgirl[at]hotmail.com

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