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Cogito me cogitare
Dentro de mim mora uma mulata muito gostosa. Ela é pobre, mas feliz porque a sua bunda é perfeita e seus peitinhos, divinos. Ela desfila na Mangueira, e no seu mundo não tem lugar pra dor nem tristeza. Pra ela não existe ontem nem amanhã, só um hoje eterno e ensolarado. Dentro de mim mora um velho judeu polonês que vive amargando um passado doloroso, o seu Moishe. Ele é um chato ranzinza que toma sopa de repolho resmungando às seis da tarde na frente da televisão. Ele odeia deus e a natureza. Não existem mais cores no seu mundo, só diferentes tonalidades de cinza e bege. * Sempre preferi os opostos às coisas simples demais. É por isso que sempre gostei mais de Elinor a Marianne. Enquanto a pobre apaixonada de Razão e Sensibilidade ardia fisicamente em febre por causa de Willoughby, Elinor ardia por dentro, como uma fortaleza, por carregar o amor escondido no fundo da alma. E por isso mesmo é tão forte a descrição do seu choro ao descobrir que Edwards não se casou. São Paulo é, para mim, como Elinor Dashwood. Quem não entender essa dualidade não entende a lógica paulistana. E é por isso que de modo geral não gosto de cariocas, sempre apaixonados demais apenas pelas coisas boas da sua cidade. Sempre dou o mesmo exemplo, mas não canso de me repetir: a realidade cruel e opressora de São Paulo ao invés de anestesiar, causa uma hipersensibilidade. Pelo menos no meu caso. É um círculo incongruente, eu sei, mas que se fecha. Como a fuga do peso que baliza a vida em A Insustentável Leveza do Ser, ou como o rosto de Otto refletido nos olhos de Ana em Os Amantes do Círculo Polar, mas isso já é outra história. O que importa é que em agosto vou para São Paulo, mas dessa vez para ficar. * Texto de Henrique Goldman, cineasta. Com adaptações. |
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Christiane, 32 anos. Brasiliense. slamgirl[at]hotmail.com
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