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Perseu e Medusa

Para decepar a cabeça da Medusa sem se deixar petrificar, Perseu se sustenta no que há de mais leve, as nuvens e o vento (ele possuia sandálias aladas para voar); e dirige o olhar para aquilo que só pode se revelar por uma visão indireta, por uma imagem capturada no espelho (seu escudo de bronze).

A relação entre Perseu e a Górgona (Medusa era o nome da mulher. Lembrem-se que ela era uma bela mulher que foi transformada neste monstro) é complexa: não termina com a sua decapitação. Do sangue da Medusa nasce um cavalo alado, Pégaso. O peso da pedra pode reverter em seu contrário; de uma patada, Pégaso faz jorrar no monte Hélicon a fonte em que as Musas irão beber. Como se de algo ruim, pesado e feio, pudesse surgir beleza, leveza e bondade.

Quanto à cabeça cortada, longe de abandoná-la, Perseu a leva consigo, escondida num saco. Quando seus inimigos ameaçavam subjulgá-lo, basta que o herói a mostre, erguendo-a pelos cabelos de serpentes, e esse despojo sanguinoso se torna uma arma invencível que utiliza apenas em casos extremos, e só contra quem merece o castigo de ser transformado em estátua de sí mesmo.

Ou seja, Perseu consegue dominar a pavorosa figura mantendo-a oculta, da mesma forma que a vencera, contemplando-a no espelho. É sempre na recusa da visão direta que reside a força de Perseu, mas não na recusa da realidade do mundo de monstros no qual estava destinado a viver, uma realidade que traz consigo e assume como um fardo pessoal.

Sobre a relação entre Perseu e Medusa podemos saber mais lendo as Metamorfoses de Ovídio. Perseu vence uma nova batalha, massacra a golpes de espada um monstro marinho e liberta Andrômeda. Depois da façanha, Perseu vai lavar as mãos sujas no combate, mas surge então um problema: onde deixar a cabeça da Medusa?

E aqui Ovídio encontra versos que me parecem extraordinários para expressar a delicadeza de alma necessária para ser um Perseu dominador de monstros: "Para que a areia áspera não melindre a angüícoma cabeça, ameniza a dureza do solo com um ninho de folhas, recobre-o com algas que cresciam sobre as águas, e nele deposita a cabeça da Medusa, de face voltada para baixo".

A leveza de que Perseu (que voa pelo ar) é herói não poderia ser melhor representada, segundo penso, do que por este gesto de tamanha delicadeza para com um ser monstruoso e tremendo, mas mesmo assim de certa forma frágil e perecível.

Perseu tinha a sagacidade de saber que Medusa era sim um monstro, mas acima de tudo, um ser vivo e, antes disso, foi mulher. Era seu dever exterminar a criatura que trazia horror aos outros? Sim, mas ele não o faz com ódio ou desprezo. É somente uma tarefa que deve cumprir. E mais. Mesmo depois da batalha, Medusa se torna útil a ele, ajuda-o contra outros monstros. E em nenhum momento ele desdenhou esse fato, ou o menosprezou.

Perseu era sábio. Sabia retirar coisas boas mesmo de tudo o que era feio e ruim, e ainda por cima, ser grato a isso.

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Christiane, 32 anos. Brasiliense. slamgirl[at]hotmail.com

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